Fregueses e freguesias

Em 2013 numa altura de aperto financeiro decidiu-se reformar o estado da forma mais fácil, fazendo desaparecer serviços do estado, os mais visíveis dos quais foram as freguesias. Almada foi particularmente afetada. De 11 freguesias passou a 4 uniões de freguesias, não tendo uma das freguesias sido afetada pelo processo. Recentemente parte deste processo foi revertido, mas em Almada tudo ficou na mesma. Altura de fazer um pouco da história das freguesias de Almada. 

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A divisão administrativa de Portugal deve-se, basicamente às reformas de Mouzinho da Silveira que estão na origem da maioria dos concelhos atuais, geralmente por via da extinção dos mais pequenos. Curiosamente o fenómeno em Almada é o oposto, tendo o concelho do Seixal sido separado de Almada. Não fosse isso, e Almada seria o terceiro município do país, com cerca de 350 mil habitantes. 

As freguesias foram então decalcadas das paróquias e Almada tinha duas. Almada e Caparica. A segunda tinha sido criada por Bula Papal em 1472. Note-se que a população era, na altura do primeiro recenseamento em 1864 de cerca de 10 000 habitantes, Em 1920 este número tinha duplicado e começa o processo de desagregação de freguesias, ou seja, de criação de novas freguesias. 

A primeira nova freguesia foi a Trafaria, criada em 1926 tendo um pouco mais de 3000 habitantes, número que só viria a crescer entre 1960 e 1970. Em 1928 foi a vez da Cova da Piedade, na altura um forte polo industrial, em especial cortiça e moagens. Teria na altura cerca de 5000 habitantes, que duplicaram em 20 anos e quase tinham quintuplicado em 1960. Parte deste crescimento é devido ao estabelecimento da Base Naval do Alfeite e à transferência do Arsenal nos anos 40. Finalmente, e é a divisão que vamos encontrar no 25 de abril, a Costa da Caparica é elevada a freguesia em 1949, começava a tornar-se na praia mais popular da região de Lisboa e havia grandes projetos turísticos. Os 2500 habitantes recenseados em 1950 pouco aumentaram até 1970, mas nessa década passaram para quase 10 mil. 

Já nos anos 80 são criadas as freguesias de Cacilhas, Pragal, Laranjeiro, Charneca e Sobreda, sendo o Feijó a última a ser criada. Ficaram 11 freguesias, o que é razoável num concelho de quase 200 mil habitantes que tinha muitas localidades separadas (algumas mantêm-se assim). Almada não tinha uma situação como, por exemplo, a de Barcelos que, com menos população, tinha mais de 60 freguesias, também não tinha freguesias quase desabitadas ou completamente dependentes de outras ou da sede de concelho. Diga-se que mesmo as freguesias mais pequenas tinham mais população que muitos concelhos e provavelmente que algumas cidades (uma das mais pequenas, Costa da Caparica, é mesmo cidade). 

Note-se que a ideia de que Almada cresceu graças à Ponte não corresponde à realidade, Almada cresceu a um ritmo acelerado desde o primeiro recenseamento ainda no século XIX, ou seja cresceu com a industrialização. 

Em 2013, numa daquelas reformas pouco pensadas, foi-se pelo caminho mais fácil. Agruparam-se freguesias, sendo, Almada, Cacilhas, Cova da Piedade, Pragal uma superfreguesia com quase 50 mil habitantes que se fosse concelho estaria entre os 60 maiores dos 308 do país, tendo mais população que algumas capitais de distrito.

A união Caparica/Trafaria, embora sem o mesmo impacto em termos de população é igualmente absurda, são territórios em que, além da continuidade territorial há poucas semelhanças. Faria mais sentido (e aliás correspondia à história) Costa da Caparica/Trafaria, só que a Costa da Caparica, na altura, era a única freguesia PSD e convinha não a perder, o que, aliás, aconteceu.

Não relacionado com as freguesias, mas com a incompetência de quem faz estas coisas, é, num sentido aparentemente oposto, o Agrupamento de Escolas que associa as escolas básicas da Costa da Caparica, à Escola Secundária do Monte de Caparica, localidade onde há dois agrupamentos de escolas básicas. É claro que a Costa da Caparica devia ter a sua própria escola secundária, mas isto não disfarça o facto de não a ter. 

Apesar desta reforma ter sido completamente disparatada, não partilho a ideia de que o mexer em freguesias e concelhos seja uma proibição absoluta, em mais de um século o país mudou muito, a população mais que duplicou e deslocou-se para o litoral, há povoações que quase desapareceram. Porém, em Almada, as freguesias existentes correspondiam à realidade demográfica, seria de voltar à situação anterior. 

Recentemente a Assembleia da Republica aprovou uma reversão parcial desta “reforma Relvas”, misteriosamente em Almada tudo ficou como estava, e uma das reformas mais estúpidas, aplicada onde não o devia ser, ficou na mesma. O Poder Local de Almada não se mexeu para renovar a situação anterior. Porquê? Estão de acordo com o que existe hoje? Estão conformados? Se estão conformados com isto também o estarão com muitas outras coisas.

A última notícia sobre este assunto é a do veto presidencial, confesso que não percebi nada das razões. No país em que tanto se fala em reformas, e mais ainda em reformas estruturais, o que parece mais difícil é corrigir essas reformas mesmo quando são disparatadas. 

Nuno Pinheiro

Doutorado em História Moderna e Contemporânea, Investigador associado do CIES/ ISCTE, almadense

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