Trafaria | Demolições no 2º Torrão deixam amianto exposto

Várias construções tinham placas de fibrocimento com amianto, danificadas no processo de demolição

As demolições no bairro do 2º Torrão, para além de terem deixado o entulho vários dias a céu aberto, sem nenhuma protecção, constituindo um risco para a saúde dos seus habitantes e um perigo para as crianças, deixaram também nos escombros inumeras placas danificadas, que contêm amianto.

©Sofia Quintas / Almada Online / O entulhe e escombros apenas com fitas da protecção civil como barreira

No local, foi-nos garantido por vários trabalhadores da empresa de demolições Obragoito – Construções e Obras Públicas, Lda, vencedora do concurso público para este fim, “estamos a deixar tudo o que tem amianto para trás sem mexermos”, e “virá uma empresa especializada retirar o amianto posteriormente”.

©Sofia Quintas / Almada Online / Retroscavadora a demolir em cima da vala e trabalhadores sem protecção contra o amianto

Até ao momento, nenhuma empresa especializada foi ao local para o efeito e, o amianto está a ser tratado como o resto dos escombros e entulho: a monte, com retroescavadoras. Este constituí um risco não só para a saúde dos habitantes do 2º Torrão, mas também para os trabalhadores que manobram as máquinas e supervisionam a operação de demolição, iniciada no dia 1 de Outubro e, também para o Ambiente. Uma contradição face às preocupações camarárias com a saúde e vida dos moradores do bairro, que habitam em cima da vala de escoamento de águas pluviais que se encontra em risco de ruir e, que levaram ao desalojamento e realojamento apressado em curso. De salientar, que a maquinaria pesada utilizada na demolição efectuou toda a operação em cima da mesma vala. Outra contradição, face à alegada fragilidade da sua estrutura.

©Sofia Quintas / Almada Online / Retroscavadora em cima da vala, onde ficaram depois placas de fibrocimento danificadas e com amianto.

Nenhum destes trabalhadores usou até ao momento “protecção sanitária contra os riscos de exposição ao amianto durante o trabalho, às quais a entidade empregadora se encontra vinculada, devendo assegurar a vigilância adequada da saúde dos trabalhadores, em função da avaliação de risco da exposição profissional, disponibilizando os equipamentos de protecção individual adequados, e assegurando a formação e informação específica relativamente às operações de remoção de materiais contendo amianto, incluindo o acondicionamento dos resíduos de construção e demolição contendo amianto que sejam gerados, bem como o seu transporte e gestão”, como estabelece a a Portaria n.º 40/2014, de 17 de Fevereiro.

Na última reunião ordinária da Câmara Municipal de Almada, dia 3 de Outubro, o vereador José Pedro Ribeiro responsável pelos pelouros de Infraestruturas e Obras Municipais, Administração Urbanística, Economia e Desenvolvimento Local, foi peremptório a declarar que “está previsto no procedimento concursal um desmonte de materiais que contêm amianto. Essa situaçao está salvaguardada, faz parte do plano de trabalhos. Está neste momento o procedimento a decorrer, acompanhado pelos serviços de protecção civil da Câmara. Tudo o que é cobertura e tem amianto, o empereiteiro tem atenção, naturalmente faz parte das suas obrigações contratuais a verificação e o devido acondicionamento dessas situações. É uma situação que nos preocupa e, por nos preocupar fez parte do concurso e, portanto a questão está salvaguardada, esperando que todo o procedimento esteja a decorrer conforme o previsto. Peço e solicito também, que as próprias pessoas, muitas vezes podem ir lá e mexer no entulho que lá esteja, para terem cuidado e não procedam a recolha do material que está a ser demolido por forma a evitar qualquer dano para a sua saúde”. A sua declaração surgiu na sequência das preocupações da vereadora Joana Mortágua sobre a existência de amianto nos escombros.

No local não foram afixados avisos à populaçao neste sentido, estando apenas colocadas faixas da protecção civil que não impedem o acesso físico ao entulho.

©Sofia Quintas / Almada Online / Escombros sem protecção e moradora do bairro a recolher materiais de construção

No anúncio do concurso público, de 17 de Agosto de 2022, designado “Demolição de construções em risco sobre a vala de drenagem do 2º Torrão da Trafaria”, pode ler-se na descrição sucinta do objecto do contrato: “Demolição completa das construções existentes, com meios mecânicos e pesados, incluindo coberturas, pavimentos, paredes, betão, madeira, zinco, vãos, escadas, outros materiais diversos e respectivas fundações, com recurso aos meios técnicos, equipamento e mão de obra necessários, carga mecânica ou manual e transporte de lixos e ou/entulhos a vazadouro autorizado, dos produtos resultantes das demolições e remoções, incluindo a sua triagem, regularização e limpeza total da zona. Incluem-se nos trabalhos a realizar, a retirada de todos os recheios das referidas construções, bem como o cumprimento escrupuloso das regras em vigor sobre a retirada de materiais ou resíduos em fibrocimento/amianto, as quais incluem o seu ensacamento e transporte a vazadouro autorizado, com guias emitidas para tal.”

©Sofia Quintas / Almada Online / Placas de fibrocimento com amianto, partidas no meio do entulho comum

Recorde-se que a Portaria n.º 40/2014, de 17 de Fevereiro, já mencionada, estabelece as normas para a correcta remoção dos materiais contendo amianto, e para o acondicionamento, transporte e gestão dos respectivos resíduos de construção e demolição gerados, tendo em vista a protecção do ambiente e da saúde humana. Pretende também clarificar os aspectos inerentes à inventariação dos materiais contendo amianto e à sua caracterização, na fase de projeto, bem como ao acondicionamento, transporte, armazenamento e eliminação dos resíduos de construção e demolição com amianto que sejam gerados.

O amianto é um mineral natural cujas fibras podem ser separadas em fios finos e duradouros. Tem sido amplamente utilizado em muitas indústrias, porque as fibras são excelentes isolantes (resistentes ao calor, ao fogo e aos produtos químicos e não conduzem a eletricidade). É frequentemente utilizado para reforçar o cimento e outros materiais. Trata-se, contudo, de uma substância particularmente perigosa, classificada como cancerígena da categoria 1A no Regulamento (CE) n.º 1272/2008 relativo à classificação, rotulagem e embalagem de substâncias químicas. Se os produtos que contêm amianto estiverem deteriorados, as finas fibras podem ser inaladas, dando origem a doenças como a amiantose, a asbestose,o mesotelioma, o cancro do pulmão e, outras formas de cancro.  O amianto não faz mal a ninguém se não se lhe mexer. Só é perigoso se for cortado, furado ou danificado de alguma forma, o que aconteceu no 2º Torrão como se pode constatar pelas fotografias.

©Sofia Quintas / Almada Online / Placas de fibrocimento danificadas e com amianto, no meio dos escombros

É recomendável que um profissional especializado em amianto teste a atmosfera na área potencialmente contaminada. Se houver mais de 0,1 fibras respiráveis por mililitro de ar, calculadas numa média ao longo de um período de 4 horas contínuas (ou seja, metade do nível máximo permitido pela legislação), são necessárias medidas urgentes.

As medidas a tomar variam de país para país, sendo em Portugal especificadas na também pela Portaria n.º 40/2014, de 17 de Fevereiro.

Dado a sua perigosidade e efeitos nefastos a Organização Mundial de Saúde emitiu um documento sobre os impactos na saúde devido a exposição ao amianto e, as melhores prácticas a implementar relativas a este assunto. Também a Agência Portuguesa do Ambiente emitiu um documento sobre manuseamento e transporte de materiais que contenham esta substância cancerígena e, outro sobre quem contactar em situações de risco.

Neste momento está a ser retirado o entulho no 2º Torrão sem qualquer cuidado específico. O realojamento, contrariamente ao que foi noticiado pela CMA em comunicado à agência Lusa, não terminou, pois sobre a vala ainda vivem famílias, cujas habitações não foram demolidas devido a interposição de proviêndências cautelares, aceites pela Justiça. Estas famílias, cerca de 14, não aceitaram as soluções temporárias de alojamento propostas pela CMA em estabelecimentos hoteleiros ou longe dos seus locais de trabalho, ou não foram englobados no processo de realojamento e, vivem há mais de uma semana no meio de escombros, entulho, poluição e ruído. No processo de demolição parte do bairro ficou, e ainda se encontra, sem luz e água devido a manobras da maquinaria pesada que danificaram cabos de electricidade e canalização de água potável.

Sofia Quintas

Directora e jornalista do Almada Online

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