Almada, visões sobre o património
Apesar de hoje restarem poucas indústrias , Almada foi um dos polos industriais mais importantes, mas o imobiliário e o desprezo têm-no degradado e destruído.
Há alguns dias, o meu amigo Luís Filipe manifestou as suas preocupações, justificadas com a situação do património na Cova da Piedade, isso inspirou este texto que pretende assinalar as Jornadas Europeias do Património, fazendo um balanço da situação no concelho de Almada.
Apesar de ser uma povoação muito antiga, Almada não é um concelho muito rico em vestígios patrimoniais. O terramoto de 1755 terá contribuído para isso, mas também a forma como o povoamento se desenvolveu, incluindo as próprias metamorfoses do castelo que, durante o Estado Novo, assumiu a sua forma atual.
Isto não significa que não existam peças importantes do património, cujo estado importa entender. A mais importante é, sem dúvida, a Fortaleza de S. Sebastião, ou Torre Velha. Talvez seja uma surpresa para muitas pessoas, já que poucos a visitaram e é inacessível. Situa-se a Oeste do Porto Brandão, junto ao mais conhecido Lazareto, e era uma das fortificações que protegiam Lisboa de ataques vindos de mar. Com a “Torre Nova” fazia barreira a embarcações que quisessem subir o Tejo. A “Torre Nova” não é outra senão a Torre de Belém, o que demonstra a sua importância. Apesar da sua importância é esquecida pelos poderes autárquicos, para quem devia ser uma prioridade, que nem podem alegar que pertence a privados porque é propriedade do estado, que a quer vender para fazer uma pousada, o que a iria destruir completamente. Mesmo ao lado, o Lazareto, parece ter sido comprado para fazer uma unidade hoteleira, seria bom perceber em que condições e garantir o respeito pelo edificado.
Apesar de hoje restarem poucas indústrias , Almada foi um dos polos industriais mais importantes, mas o imobiliário e o desprezo têm-no degradado e destruído. Apesar de quase todas as antigas fábricas de cortiça e de uma boa parte da construção naval ter desaparecido, ainda restam alguns vestígios industriais.
O mais significativo é a Moagem Aliança, a primeira construção em betão armado da Península Ibérica, que, apesar de classificada e propriedade do município há mais de 30 anos, se vai degradando cada vez mais. Espantosamente, há poucos anos, gastou-se mais de um milhão de euros ao fazer ali uma espécie de mini autoestrada, sem se olhar para este, e outros edifícios industriais da zona.
Mesmo ao lado está o espaço da Lisnave, adiado há 25 anos. Há enormes planos irrealistas em que a única coisa tratada do ponto de vista patrimonial é o pórtico, mas, o tempo que se passou com estes projetos tornaria sensato o seu abandono, para que em seu lugar surja algo que não se centre na especulação imobiliária e possa ter em conta a valorização deste património.
As politicas de património não são inocentes, desvalorizar o património industrial, como tem sido feito (PS e PCP), é tentar fazer esquecer o passado da indústria, as pessoas que nelas trabalharam com as suas dificuldades e lutas. A contrapartida é a sobrevalorização do património religioso. Foi o que fez a CDU com a Ermida de S. Sebastião que, ao longo de mais de um século, teve várias utilizações, terminando como taberna. A igreja transformada em taberna era simbólica do anticlericalismo de Almada, da sua tradição anarco-sindicalista, o que afetava algumas pessoas. O esforço para a compra, recuperação e entrega deste edifício à igreja foi enorme, contrastando com o desprezo a que outro património era devotado. Diga-se que esta é a terceira igreja desta paróquia e que a poucas centenas de metros existe uma igreja no seminário fechada ao culto público.
Se, depois de algumas intervenções corretas (Cerca, Zagallos) esta foi a política do anterior poder autárquico, porém, o atual está ausente em relação ao património, tendo como intervenção mais notória a demolição de uma escola primária oitocentista para construir uma rotunda.
Esquecidos estão também momentos em que Almada foi decisiva na história do país. A Batalha da Cova da Piedade a 23 de julho, decisiva para a vitória liberal e as grandes transformações de Portugal contemporâneo é o maior exemplo. O investimento municipal devia dirigir-se à memória desta batalha criando um centro de interpretação e promovendo recriações dessa batalha, tal como se faz noutros países e, até, em relação a outras batalhas em Portugal.
Sem educação não existem políticas patrimoniais. O conhecimento e proteção do património têm que chegar às escolas. As escolas foram decisivas para a preservação das gravuras de Foz-Côa, por exemplo, e sem pensar nas gerações futuras nenhuma política de património tem um mínimo de utilidade.
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