Trafaria | Amnistia Internacional condena novamente realojamento do 2º Torrão

É a terceira vez que a Amnistia Internacional Portugal condena publicamente o processo de demolição e realojamento levado a cabo pela CMA no Bairro do 2º Torrão

A Amnistia Internacional (AI) Portugal condenou pela terceira vez o processo de demolição e realojamento realizado pela Câmara Municipal de Almada (CMA) no Bairro do 2º Torrão.

A renomeada ONG, considerada internacionalmente uma autoridade no que diz respeito à denúncia de violações dos Direitos Humanos, já o havia feito em Setembro quando ainda muitas famílias se encontravam sem proposta de realojamento por parte da CMA; fê-lo em Outubro, quando o seu responsável em Portugal, Pedro Neto, esteve presente nas demolições no terreno, denunciando a falta de transparência e de soluções concretas e dignas para os moradores e; volta a fazê-lo agora em Maio, depois de presenciar no local o realojamento feito dia 26, de cinco agregados que ainda se encontravam a morar sobre a vala.

Este último realojamento foi feito, segundo a Aministia Internacional, “à pressa”, “em contra-relógio”, “a correr” nas palavras dos moradores, tendo que “aceitar ou aceitar” rapidamente e “sem escolha” alojamentos “sem condições” dignas de habitabilidade, tipologias que não se enquadram na dimensão dos agregados, localizadas “longe dos seus locais de trabalho”, fora do concelho de Almada. Tudo foi anunciado a estes moradores no dia 19 de Maio à tarde, tendo as suas casas sido demolidas e o seu realojamento feito no dia 26 de Maio de manhã, depois de um silêncio de seis meses por parte da autarquia almadense. Entre uma data e outra foram visitadas casas, empacotadas vidas e, realizados os contratos de água, luz, e gás possíveis, por estes agregados.

Com este silêncio prolongado a autarquia fez o prazo apertado característico das providências cautelares de emergência cair, tendo a sua presidente, Inês de Medeiros, afirmado em reunião da Assembleia Municipal de Almada (AMA) “que venceu todas as providências cautelares em tribunal.”

A Amnistia Internacional relata ainda na sua notícia que “as mudanças vão ser profundas” para estes agregados e que os alojamentos onde foram colocados não têm “esquentadores nem contadores instalados ” tendo muitos moradores que “faltar ao trabalho para tentar conseguir documentos e resolver estas questões”. 

A organização condena ainda o facto do Bairro do 2º Torrão continuar cheio de entulho oito meses depois das primeiras demolições, realizadas em Outubro de 2022, provocando este facto uma acumulação de lixo, que traz consigo “uma infestação de ratazanas” nas casas de todo o bairro. Segundo conta a AI “o perigo é real, e já se nota, especialmente para as crianças do bairro.” Um morador declarou, “Tenho a casa cheia de ratazanas que andam à volta dos meus filhos.” Durante semanas foi também deixado amianto partido a céu aberto. Este é um problema de saúde pública, que não existia anteriormente e foi criado pela inacção da autarquia durante oito meses.

©Sofia Quintas / Almada Online / Amianto partido deixado a céu aberto no Bairro do 2º Torrão, durante várias semanas depois das demolições de Outubro de 2022

Os agregados agora realojados, num total de 12 pessoas onde se incluem crianças, permaneceram na zona da vala na sequência de providências cautelares interpostas contra a CMA, por dois advogados que lhes têm prestado apoio jurídico pro bono. Na opinião dos advogados Vasco Barata da Associação Chão das Lutas e, Marina Caboclo, “a Câmara não quer realojar as pessoas, quer demolir as casas. Há ainda mais três agregados sem nenhuma resposta e uma pessoa que, desde Outubro, está em situação de sem-abrigo”. E justificam: “Há uma decisão política em ‘resolver a questão’ até ao final do mês. As pessoas foram colocadas contra a parede para aceitar soluções que há oito meses não teriam aceitado.” Ainda segundo os mesmos advogados, “A justificação das técnicas da Câmara é que a empresa de mudanças apenas estava disponível nesta Quinta-Feira”.

Já a 19 de Abril, durante uma audição em sede de comissão da Assembleia da República (AR), moradores do bairro, entre os quais alguns dos que foram agora realojados, pediram ajuda, acusando a Câmara de Almada, de ter levado a cabo um processo “de desalojamento” no bairro do 2.º Torrão e de atentar contra os Direitos Humanos.

Além da questão do entulho que permanece no bairro, a AI salienta que entre as preocupações apontadas pelos moradores está o curto espaço de tempo entre a comunicação e o realojamento, bem como o facto de as novas casas não terem em consideração problemas de mobilidade ou o número de pessoas do agregado.

A AI relata o caso de uma jovem, que tem um bébé com 20 dias, e que indicou que a casa que lhe foi atribuída “não tem condições e estava suja”, mas que não teve hipótese de escolha.

Outra moradora, idosa e com problemas de mobilidade e com uma filha doente oncológica, contou à AI que a nova habitação, na freguesia do Feijó, tem apenas um quarto, três lances de escada e se encontra sem esquentador. Este agregado só soube do seu novo alojamento dia 22 de Maio, início da semana da mudança: “Ligou-me [a técnica da Câmara] às 11h da manhã de Segunda-Feira a dizer que ao meio-dia eu tinha que ir ver a [nova] casa.” Meia hora para estar na CMA em Almada, ir ver uma casa sem condições nem tipologia adequada no Feijó e, três dias depois, ver a sua casa ser demolida e mudar-se.

Outros moradores, segundo a AI, vão ser realojados no concelho da Moita e temem perder os empregos na Costa da Caparica, uma vez que começam a trabalhar muito cedo, a uma hora em que ainda não há autocarros.

Nesta sua notícia mais recente, a AI adianta que questionou a Câmara Municipal de Almada sobre os problemas apontados, não obtendo resposta. Em Outubro a Organização chegou mesmo a reunir com os serviços da CMA e a entregar-lhe o seu “Guia para a Prevenção de Desalojamentos Forçados“, onde estão definidas as boas prácticas internacionalmente aceites a nível de Direitos Humanos num processo desta natureza. A ONG conclui novamente que este guia não foi tido em conta pelo executivo de Almada no Bairro do 2º Torrão.

No seu relatório anual de 2022 referente a Portugal a Amnistia Internacional é clara na secção que aborda a Habitação: “O governo tomou medidas insatisfatórias para melhorar as condições de habitação e garantir uma quantidade suficiente de habitação acessível, apesar dos dados divulgados no final de 2021 mostrarem que mais de 38.000 pessoas careciam de resposta habitacional adequada. Persistiram relatos de desalojamentos forçados que deixaram as pessoas em piores condições de habitação – incluindo, em alguns casos, sem-abrigo –, uma situação que afectou desproporcionalmente as pessoas de etnia cigana e afrodescendentes.”

Em declarações à Rádio Renascença, Pedro Neto, responsável pela delegação portuguesa da AI, afirmou que “esta questão da habitação afecta desproporcionalmente as pessoas que etnia cigana e afrodescendentes também devido à discriminação em que vivem e por causa das situações de maior pobreza”, dando como exemplo ocorrido em 2022, “desalojamentos forçados, nomeadamente na Trafaria, no Bairro do Segundo Torrão”.

O Almada Online também tem questionado a CMA ao longo deste oito meses relativamente ao processo de demolição e realojamento do Bairro do 2º Torrão, que temos acompanhado desde o início. Até ao momento nunca obteve uma resposta por parte da autarquia.

A decorrer no concelho de Almada estão duas comissões de inquérito relativas à actuação da Câmara Municipal de Almada no processo de demolição e realojamento do 2º Torrão. Uma das comissões a nível da Junta da União das de Freguesias da Caparica a Trafaria (JUFCT) e outra em sede de Assembleia Municipal de Almada.

No 2º Torrão ficam ainda três agregados por realojar e Sebastião Tomás, que se encontra desde Outubro de 2022 em situação de sem-abrigo a dormir num escombro, quando anteriormente tinha tecto.

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Sofia Quintas

Directora e jornalista do Almada Online