Governo avança com PPP no Hospital Garcia de Orta

O Conselho de Ministros de 7 de Março, tomou “a decisão histórica de lançar o processo de atribuição de cinco parcerias público-privadas (PPP) em cinco hospitais importantes”:  Braga, Loures, Amadora-Sintra, Vila Franca de Xira (que já tiveram gestão privada com bons resultados), e Garcia de Orta, em Almada.

O anúncio foi feito na conferência de imprensa após a reunião do Conselho de Ministros, pelo Ministro da Presidência, António Leitão Amaro, que acrescentou que três destes hospitais “tiveram experiência recente de PPP, e outro teve uma experiência mais antiga”, todas avaliadas, segundo o Governo, como prestando “aos utentes melhores cuidados de saúde a um preço mais baixo”. A única novidade é a integração do Hospital Garcia de Orta (HGO), no Pragal, neste grupo, pois este hospital sempre esteve sob gestão pública. No fundo, são cinco dos hospitais que mais problemas têm tido, nomeadamente a nível das urgências.

Resolução aprovada lança dois processos na área da Saúde.

O primeiro, é construir um “mecanismo chamado comparador de preços com o sector público”, para apurar os gastos sob administração pública, valor que servirá de referência máxima para a definição dos contratos a estabelecer com as entidades privadas, para “garantir que estas PPP são geridas também com poupanças para os contribuintes”, mantendo a qualidade do serviço, explicou Leitão Amaro.

O segundo, preparar os cadernos de encargos para a realização de concursos públicos internacionais, “porque estas PPP na saúde precisam de ser atribuídas num processo aberto, transparente e concorrencial”, declarou o governante.

Leitão Amaro afirmou ainda que Tribunal de Contas (TdC), Entidade Reguladora da Saúde (ERS) e vários estudos foram todos coincidentes em demonstrar que “as PPP na saúde foram exemplos de hospitais do Estado que entregam melhores cuidados de saúde a um preço mais baixo para os contribuintes”.

Este é também um sinal político de que o Executivo, a dias de enfrentar uma moção de confiança que deverá ditar a sua queda, pretende levar por diante medidas emblemáticas de governação. São também os primeiros passos do que serão processos necessariamente morosos, mas com os quais o Governo pretende dar o sinal político de que continua empenhado em tomar medidas, e acredita que estará em funções para as concretizar no futuro. A escolha da área também não será inocente, com o Executivo a querer mostrar empenho num sector tão sensível para os cidadãos como a saúde, e que tem sido particularmente problemático.

Este modelo de gestão não poderá avançar já, nem sequer este ano, pois há procedimentos legais a serem cumpridos, e os concursos internacionais para entregar o modelo de gestão só deverão ser lançados no início de 2026.

Avançar para PPP em alguns hospitais já vinha sendo apontado como solução pela ministra da Saúde, Ana Paula Martins. No final de Fevereiro, por exemplo, a ministra da Saúde já tinha defendido o regresso de vários hospitais ao modelo de parceria público-privada. “É uma questão de gestão, não tem nada a ver com a ideologia”, garantiu Ana Paula Martins, no podcast “Política com Assinatura” da jornalista Natália Carvalho, na Antena 1. Para a ministra este modelo de gestão das unidades hospitalares permite “melhores resultados para as pessoas”.

O regresso das PPP acontece num contexto diferente do anterior, já que agora os hospitais estão integrados em Unidades Locais de Saúde (ULS), ou seja, a mesma administração gere os hospitais e os centros de saúde da sua área.

O Executivo de Luís Montenegro tem insistido que o acesso a cuidados de saúde previsto na Constituição deve ser feito com recurso aos meios públicos, privados e sociais disponíveis.

O regresso das PPP provocou muitas reacções

Reacções políiticas

Inês de Medeiros, presidente da Câmara Municipal de Almada (CMA), disse não entender se a proposta governamental de uma parceria público-privada para o Hospital Garcia de Orta é para ser levada a sério e acusou o Governo “de destabilização sobre destabilização”. “Eu nem sei se esta proposta é para levar a sério. Não sei se isto é só um anúncio neste momento muito particular da crise política que estamos a viver ou se é para levar a sério”, disse em declarações à agência Lusa. “Isto é destabilização, sobre destabilização, porque, sinceramente, eu acho que isto é uma corrida aos anúncios”, disse ainda a autarca.

Medeiros adiantou que uma coisa é o debate sobre as PPP e outra coisa é falar apenas no hospital, mas lembrou que este pertence à Unidade Local de Saúde Almada-Seixal (ULSAS) que inclui ainda 22 unidades de saúde familiar, duas de cuidados paliativos e uma de cuidados continuados. “Mas um concurso em quê? Para quê? É a ULS inteira? É só o hospital? Eu só ouvi referências ao hospital. Mas o hospital agora não funciona sozinho. Isto é não conhecer sequer o organograma da ULS Almada – Seixal”, frisou.

A autarca lembrou também que a ULS tem uma administração que acabou de ser nomeada e questiona se a mesma agora está a prazo “porque já vem aí uma PPP”. “Isto é muito pouco sério. Não é só o hospital que estamos a falar, estamos a falar de uma série de estruturas que estão na ULS e, portanto, que também elas próprias ficam à deriva sem perceber muito bem como é que vão ser geridas”, disse. Inês de Medeiros adiantou que já falou com o presidente da Câmara Municipal do Seixal (CMS) e que ambos vão pedir uma reunião de urgência com a ministra da Saúde para tentar perceber o que realmente está em causa. “Isto é de uma ligeireza, se me permitem, eu só consigo perceber isto como uma espécie de corrida à propaganda ou uma coisa qualquer”, disse.

O presidente da Câmara do Seixal criticou a decisão de criar uma parceria público-privada para o Hospital Garcia de Orta, considerando que “não será com uma gestão privada que os problemas serão resolvidos”. Em comunicado, Paulo Silva advogou que “a decisão que era urgente para responder aos problemas de saúde na região era a de avançar com a construção do hospital no Seixal, um compromisso de cerca de duas décadas”.

O autarca considera que este anúncio apenas vem criar ruído no processo de construção de um hospital no seu concelho. A autarquia considera ainda que este é “mais um episódio da procrastinação recorrente a que este equipamento tem sido sujeito ao longo de tantos anos, penalizando gravemente a população do concelho do Seixal. O Hospital no Seixal é um equipamento fundamental para a melhoria da dignidade e das condições de vida das populações dos concelhos do Seixal e Almada, bem como para a resolução dos problemas estruturais do Hospital Garcia de Orta e dos cuidados de saúde na região, que têm vindo a agravar-se nos últimos anos”, referiu o município no comunicado. Em vez disso, sublinhou, o Governo “optou por assegurar mais uma fileira de negócio para os grupos privados da doença”.

A Câmara do Seixal considera a decisão ilegítima no contexto político actual, marcado pelo debate de uma moção de confiança ao Governo, agendado para a próxima Terça-Feira.“É um género de ‘canto do cisne’ no que toca à actuação do Governo e a fusão entre a sua política e os interesses dos grupos económicos da doença”, sublinhou o presidente do executivo. Para Paulo Silva, as medidas tomadas pelo Governo do PSD visam também a desvalorização do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e das carreiras dos profissionais do sector. “Não será com uma gestão privada que o Hospital Garcia de Orta vai resolver os seus problemas e ter como foco principal os utentes”, referiu, destacando que “basta lembrar que vários hospitais no país reverteram o processo das PPP, retomando a gestão pública, e que o Governo PSD tem vindo a impor um modelo que está ultrapassado”.

A título de exemplo, apontou o caso da Amarsul (tratamento de resíduos sólidos) e da Fertagus (serviço ferroviário da Ponte 25 de Abril), cuja gestão privada o autarca considera ter agravado os problemas existentes no aterro sanitário e originado o caos no serviço ferroviário na margem sul do Tejo, respectivamente.

O ex-ministro da Saúde Manuel Pizarro entende que o “anúncio parece-se mais com uma desculpa para as dificuldades que o Ministério da Saúde tem tido, do que um plano estruturado para melhorar o SNS” e fala em “propaganda política”. O ex-governante tem dúvidas sobre o que vai acontecer às ULS. Pizarro fala em propagandae e garante não ter nada contra este tipo de gestão, “à partida”, mas nota que o “timing” em que o anúncio do regresso ocorre é o “de quem quer anunciar e não fazer”, já que “não vai haver nenhum contrato assinado em 2026” nesta frente, dado o ritmo a que este tipo de processo decorre.

“Neste caso, não consigo compreender qual é a justificação que o Governo dá para, à partida, acreditar que a solução das PPP vai resolver problemas, que não resolve”, sublinha Pizarro, para completar: “Isto parece mais propaganda do que acção governativa. É certo que a decisão é sempre política, mas não dispensa uma sólida preparação técnica, que neste caso não me parece ter existido.” O ex-governante questiona também qual será o seguimento dado às Unidades Locais de Saúde (ULS), que foram generalizadas ao território continental em Janeiro de 2024. Pizarro fala em propaganda, “isto quer dizer que o Governo tenciona dissolver as ULS? Tudo parece preparado de forma atamancada, pouco explicada e pouco justificada”, diz Manuel Pizarro.

Marisa Matias veio acusar o Governo de querer fazer do “SNS um negócio”, e o Bloco de Esquerda Almada publicou nas suas redes sociais um comunicado, em que declara opôr-se “à decisão do Governo PSD/CDS de entregar o Hospital Garcia de Orta ao negócio privado.” A concelhia de Almada do BE afirma que “esta decisão é um passo derradeiro para a privatização da saúde. O Bloco de Esquerda expressa a sua completa oposição ao ataque ao Serviço Nacional de Saúde.” O partido vai ainda mais longe e afirma que “Todo o mandato de Ana Paula Martins, Ministra da Saúde, foi dedicado a nomear militantes do PSD para as administrações hospitalares, constituindo uma teia de influências para assaltar o SNS.” O BE conclui a sua comunicação declarando que “na gestão da Saúde não pode haver lugar para quem ache que esta pode ser um negócio. O SNS deve ser integralmente público e não pode ser entregue, não como um todo, nem aos pedaços a grupos económicos da área da saúde.” Os bloquistas defendem ainda que “ao converter o HGO numa PPP, o Governo estará a comprometer o direito à saúde da população de Almada e da margem sul.

Reacções na área da saúde

Os administradores hospitalares consideram que há “muitas incertezas”, tendo em conta a actual organização do SNS. “Há muitas incertezas e não sabemos exactamente como é que essa proposta vai ser construída porque o contexto é muito diferente daquele que tínhamos há 20 anos”, adiantou à Lusa o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), Xavier Barreto. “Portanto, uma das perguntas é se a intenção do Governo é concessionar a gestão das ULS, ou seja, hospitais e centros de saúde, ou não”, declarou, salientando que as actuais Unidades de Saúde Familiar tipo B têm contratos que lhes garantem autonomia e incentivos aos seus profissionais.

Xavier Barreto recordou também que, antes da criação das ULS, os cuidados de saúde primários eram tutelados pelas administrações regionais de saúde, que foram, entretanto, extintas. O administrador salientou que, nos últimos anos, os municípios assumiram competências na área da saúde na gestão de edifícios e mesmo de alguns profissionais.”O que é que está a ser proposto? É que os municípios nestas regiões deixem de ter essa competência de gerir esses recursos ou não?”, interrogou Xavier Barreto, para quem a “questão central” deste processo é o que vai estar contemplado nos cadernos de encargos. “Era importante sabermos qual é a visão do Governo para as PPP num contexto que é muito diferente daquele que tínhamos há 20 anos”, concluiu o presidente da associação que representa os administradores dos hospitais.

A Ordem dos Médicos (OM) alertou que as parcerias público-privadas hospitalares têm de garantir um acesso a cuidados de saúde com qualidade e segurança aos utentes, assim como condições adequadas de trabalho aos profissionais.”Queria que ficasse muito claro que o que preocupa a Ordem dos Médicos, é que seja sempre garantido o acesso a cuidados de saúde com qualidade e segurança para os doentes e respeitando as condições de trabalho adequadas para os médicos e outros profissionais”, adiantou à Lusa o bastonário Carlos Cortes.

Carlos Cortes referiu ainda que os sectores privado e social são muito importantes no sistema de saúde, mas salientou que o pilar dos cuidados de saúde em Portugal é o “Serviço Nacional de Saúde e tem de continuar a ser”. Realçou também que uma PPP é um modelo de gestão muito diferente do implementado nas Unidades Locais de Saúde (ULS) com gestão pública, onde “há uma grande falta de autonomia e regras burocráticas e administrativas muito pesadas, que dificultam muito que possam contratar médicos”. Perante isso, o que “seria importante era começarmos todos a reflectir em termos de modelos de gestão das ULS que possam ter igualdade de circunstâncias com as PPP e uma maior agilidade na sua gestão dos hospitais e dos centros de saúde”, defendeu o bastonário.

A medida já foi criticada pela Federação Nacional dos Médicos (FNAM) que considera que a opção escolhida por Ana Paula Martins é “ineficiente” e que coloca em causa os serviços de urgências ao entregá-los a entidades interessadas no “lucro”. A presidente da FNAM, Joana Bordalo e Sá, afirmou à TSF que os modelos de PPP são “ineficiantes e desequilibrados”, recordando uma consideração semelhante pelo Tribunal de Contas. “Se no passado construíram hospitais de raiz em zonas carenciadas, no presente, o que a população corre o risco de ver é a gestão de instituições que sempre foram públicas, que são nossas, entregues a entidades privadas, cujo objectivo principal é apenas o lucro”, disse a dirigente sindical.

Sofia Quintas

Directora e jornalista do Almada Online

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