Presidente da CMA afirma que “município ficou com problemas gravíssimos” no âmbito do PRR

Candidaturas sem resposta, mercado saturado, preço da construção, burocracia e falta de responsabilização das entidades intermédias do Estado, tornaram o PRR "numa maldição"

A presidente da Câmara Municipal de Almada (CMA), Inês de Medeiros (PS), afirmou ontem, 7 de Novembro, no âmbito do debate sobre a habitação na Área Metropolitana de Lisboa (AML) “Desafios que Precisam de Soluções“, que a crise da habitação “aumenta muito mais depressa” do que qualquer estratégia que se possa criar, sugerindo “um travão” na actual situação, inclusive pelo alojamento local.

“O maior desafio, neste momento, é travar as condições em que esta crise se agrava, e é urgente travar isso, seja pelo alojamento local, seja como for”, afirmou a autarca de Almada, no encontro que decorreu em Cascais.

Inês de Medeiros referiu que o município de Almada criou a Estratégia Local de Habitação em 2019 e tem vindo a actualizá-la, “mas a crise da habitação aumenta, a procura e a necessidade aumentam muito mais depressa do que qualquer estratégia que se possa criar.” Reforçando que a crise da habitação “duplica, triplica, sistematicamente”, a autarca do PS defendeu que a prioridade deve passar por medidas para “travar o problema”, “de forma provisória”. “É impossível ter qualquer estratégia que seja sustentável e ter tempo para encontrar soluções, se não conseguirmos travar o aumento crescente de procura”, sublinhou. “No nosso caso, em Almada, é simples: Ou Lisboa para a sangria das pessoas, dos moradores de Lisboa que vão procurar [casa] em Almada […]. Achamos óptimo receber. Não conseguimos é criar respostas ao ritmo a que as pessoas procuram”, declarou.

A autarca de Almada ressalvou que o problema não está relacionado com a oferta de habitação social, nem com o aumento da imigração, mas sim com uma crise que afecta “várias gerações”, que não têm qualquer condição de comprar ou arrendar casa. “É travar essa crise e, se me permitem, apostar tudo, tudo, na criação do mercado de arrendamento, que não existe em Portugal”, expôs.

A presidente da Câmara de Almada afirmou que “nalguns casos” o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) “foi uma maldição”, posição partilhada pela vereadora da Habitação da Câmara de Lisboa, Filipa Roseta (PSD) que disse que “é um inferno”.

“Nalguns casos, para todos os projectos que já estavam em curso, foi ótimo. Nalguns casos, o PRR foi uma maldição. E é bom começarmos a dizer as coisas tal e qual como elas são: que é muito dinheiro a gastar em muito pouco tempo. O resultado prático foi só um: o mercado explodiu”, afirmou Medeiros.

“Não foram só as entidades do Estado que implodiram. O Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU). […] As câmaras nunca conseguem implodir. As câmaras, de todas as forças políticas, faça sol, faça chuva, aconteça mais isto, mais aquilo, nunca implodimos, mas o Estado implode”, declarou Inês de Medeiros.

A autarca de Almada disse que, no âmbito do PRR, o município ficou “com problemas gravíssimos”, a avançar com projectos, mas com candidaturas sem resposta, e “pior ainda” é a situação do mercado, inclusive os preços de construção.

“O mercado está saturado, porque há PRR em todo lado, em toda a Europa”, expôs, referindo que a CMA apresentou um projecto por 12 milhões de euros e a estimativa é agora de 24 milhões, criticando a burocracia e a demora na resposta às candidaturas.

Inês de Medeiros, que é também vice-presidente do Conselho Metropolitano de Lisboa, disse que os 18 municípios da AML “estão absolutamente disponíveis” para estabelecer estratégias para responder à crise da habitação, como conseguiu na área dos transportes públicos.

“Mas temos de ser claros, tem de haver um compromisso claro do Estado […). Já não quero saber quem é o primeiro-ministro ou ministro, ou há uma reforma profunda das entidades intermédias do Estado, seja ao nível da Segurança Social, entidades licenciadoras, APA, ICNF, gestão do território, tudo, ou há uma reforma profunda e começa a haver a responsabilização por estas entidades […]” ou então “é impossível” os municípios colaborarem na resposta aos problemas, avisou.

A autarca de Almada deu o exemplo de um projecto que teve parecer negativo do ICNF, porque o instituto evocou um despacho do rei D. Carlos, que determinava que a Costa de Caparica estava sujeita ao regime florestal, mas os serviços municipais verificaram que há um despacho posterior, assinado por António Oliveira Salazar, que desclassificou a anterior deliberação.

Defendendo a revisão da legislação dos instrumentos de gestão do território, Inês de Medeiros considerou que a burocracia é “o maior promotor da corrupção”, apelando a mais “transparência, clareza e celeridade”, e ressalvando que é preciso “parceiros privados para dar uma resposta a médio longo prazo ao nível da habitação”.

Também a vereadora da Câmara de Lisboa, Filipa Roseta (PSD), afirmou que a parte da execução do PRR “falhou”, referindo que o município descobriu que “já não pagam as obras de urbanização” e só cobrem a parte da habitação: “Tudo isto é um inferno”.

No debate participou também o reitor da Universidade de Lisboa, Luís Ferreira, que disse que as primeiras residências de estudantes da instituição começaram a ser construídas com verbas próprias, mas “quando apareceu o PRR foi um impulso extraordinário, permitiu alavancar uma série de obras”, aumentando “de 1.300 camas para 2.7000 em 2026”.

“Dá-nos para construir a residência, mas se nós estivermos a construir num sítio onde nos é imposto que tenhamos um parque de estacionamento, que é o caso concreto daquilo que estou a falar, a parte de estacionamento não é de todo financiada pelo PRR”, referiu o reitor.

Luís Ferreira apelou também à desburocratização a nível local nos licenciamentos urbanísticos, indicando que teve de parar uma obra para 300 quartos, porque não tinha contemplado no projecto estacionamento para três bicicletas.

A AML é composta por 18 municípios das margens norte e sul do Rio Tejo, nomeadamente Alcochete, Almada, Amadora, Barreiro, Cascais, Lisboa, Loures, Mafra, Moita, Montijo, Odivelas, Oeiras, Palmela, Seixal, Sesimbra, Setúbal, Sintra e Vila Franca de Xira.

Sofia Quintas

Directora e jornalista do Almada Online

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