Tribunal de Contas considera compra de navios sem baterias pela Transtejo ilegal
TC chumba negócio de compra de baterias eléctricas no valor de 15,5 milhões e admite responsabilização financeira ou até criminal dos gestores da Transtejo
O Tribunal de Contas (TC) chumbou ontem, dia 15 de Março, o contrato para a compra de baterias para nove dos dez novos navios da Transtejo. O negócio foi declarado como ilegal e o relatório do Tribunal de Contas vai ser enviado para o Ministério Público (MP) para “eventual apuramento de responsabilidade financeira e/ou de responsabilidade criminal”.
No final de 2020, a Transtejo escolheu os espanhóis da Astilleros Gondán, por 52,44 milhões de euros, para fornecer dez novos barcos eléctricos para fazer as ligações fluviais de Lisboa com Cacilhas, Montijo e Seixal. No entanto, nove dos navios foram comprados sem baterias, que seriam compradas num concurso em separado por serem um “custo operacional”
Na altura, os Estaleiros Navais de Peniche (ENP), que ficaram em segundo lugar, impugnaram o concurso. A empresa portuguesa propunha vender as embarcações já com as baterias incorporadas, por um total de 64,405 milhões de euros. Se tal tivesse acontecido, a proposta espanhola custaria 66,825 milhões de euros, refere o acórdão. Os estaleiros portugueses perderam e o Governo, em Março de 2022, validou a compra dos navios espanhóis.
Para o Tribunal de Contas, “não se pode sequer falar em navios sem as baterias, como não se pode falar, por exemplo, em navios sem motor ou sem leme. Isto porque elas constituem uma parte integrante desses navios”. “É como comprar um automóvel sem motor, uma moto sem rodas ou uma bicicleta sem pedais”. Esta foi uma das razões para chumbarem o ajuste directo de 15,5 milhões de euros para compra de baterias para nove dos 10 navios da Astilleros Gondán.
O Tribunal de Contas afirma ainda que em 2021, a Transtejo “informou este tribunal de que iria lançar um novo concurso público para comprar as baterias em falta. Porém, o contrato que entregou no final de 2022 é um ajuste directo à mesma empresa espanhola à qual tinha encomendado as embarcações, que iria comprar o material a outra empresa, o operador Corvus Energy.”
O Tribunal de Contas não entende o que impede o operador de vender as baterias directamente à Transtejo, mas não à Gondan. “A resposta só pode ser uma: havendo um intermediário, aumenta o preço”, apontam os juízes, que declaram que, a ir por diante, este ajuste directo seria manifestamente ilegal. O argumento da transportadora de que ficou na dependência da primeira empresa para o fornecimento das baterias, não convenceu o tribunal, que quer que seja aberto novo concurso para o efeito.
Os juízes consideram também que a transportadora enganou o tribunal deliberadamente no concurso para a compra dos novos barcos. “Tinha perfeito conhecimento de que estava a faltar à verdade ao tribunal quando disse que iria recorrer a um concurso autónomo para o fornecimento das baterias, induzindo-o em erro”. E foi graças a isso, lamentam, que conseguiram que o contrato para a aquisição dos catamarãs em causa fosse visado. “Os pressupostos em que o tribunal tomou a decisão de concessão de visto foram incorrectos. Se tivessem sido prestadas ao tribunal as informações correctas – como deveria ter sido feito – a decisão do tribunal poderia ter sido a de recusa do visto”.
Foram várias as explicações dadas pela transportadora aos juízes para ter chegado a esta situação – de tal forma que o acórdão lhes reserva um subcapítulo, intitulado “Constantes Contradições da Transtejo”. A Transtejo alegou razões técnicas e financeiras para ter feito um concurso autónomo: a nível financeiro, não havia fundos europeus do programa operacional Poseur para a compra das baterias e tentou-se o seu aluguer, por nove milhões de euros, para o que também provou-se não ter financiamento; a nível técnico, “não era entendimento da Transtejo que as baterias só podiam vir a ser fornecidas pelo fabricante dos navios”. Só em Julho de 2022 se apercebeu disso e, ficou refém da proposta da Astilleros Gondán.
O tribunal considera o comportamento da Transtejo, “com a práctica de um conjunto sucessivo decisões que são não apenas economicamente irracionais, mas também (como se viu) ilegais, algumas com um elevado grau de gravidade, que atinge o interesse financeiro do Estado e tem um elevado impacto social. Que lhe é directa, e exclusivamente, imputável”, acusa.
Neste momento, a Transtejo apenas recebeu um navio eléctrico, o único que já tem a bateria incluída. Estava previsto que as primeiras quatro embarcações eléctricas começariam a navegar no final deste ano entre o Cais do Sodré e Seixal; em 2024, chegariam mais quatro; as últimas duas só transportariam passageiros em 2025.
A transportadora diz que sem a chegada ao estaleiro dos packs de baterias “não é possível prosseguir com a conclusão de mais navios”., segundo o Público
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